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Nem só da conquista das mais belas mulheres e seu tempo tratam as Memórias de Casanova. Em uma de suas passagens, o mais célebre caso de dom-juanismo histórico relata:

“Perguntou-me se levava algum dinheiro comigo. Peguei algumas moedas e as pus sobre a mesa. Ele se levantou e, sem dizer o que ia fazer, tomou um carvão. Então soprou-o e, em um par de minutos, ele se pôs ao rubro. Esperai um momento – disse o alquimista. Deixai-o esfriar. Esfriou quase imediatamente. Toma-o, é vosso, disse então. Peguei a moeda, e descobri que havia convertido em ouro. “

O autor dessa proeza possuía a fama de grande alquimista, entre dúzias de outras famas que tinha – aventureiro, espião, místico. E imortal. Trata-se do Marquês de Montferrat, mais conhecido como conde de Saint-Germain.

Esse personagem, de nacionalidade desconhecida, que Andrew Tomas qualificou como “a esfinge do século XVIII”, tornou-se, com o passar dos anos, o ícone dos ocultistas, que volta e meia invocam seu nome para dar autoridade a alguma pretensa mensagem psicografada, ou a viagens astrais ao reino dos grandes mestres, situado algures no Oriente. O Ocultismo se deliciou com a lenda contemporânea de que ele era imortal, alegando que Saint-Germain teria composto salmos na Suméria, dedicado canções à Virgem Maria em pessoa e outras extravagâncias nas quais não é preciso insistir.

Não é desse tipo de lendas, de conteúdos absolutamente gratuito, que trataremos aqui. Se há dimensões fantásticas na vida de Saint-Germain, o melhor modo de chegar a elas é interrogando seus contemporâneos, os nobres europeus que privaram de sua companhia, os boatos que sua época fez circular ao seu redor, enfim, os testemunhos do século XVIII legou a seu respeito.

O conde de Saint-Germain foi introduzido na corte francesa em 1749, pelo marechal de Belle-Isle, que o apresentou a Mme. Pompadour e Luís XV. Por algum motivo, as conversas entre o nobre e o monarca passaram a tratar de ciências. Segundo as Memórias da condessa de Genlis, Saint-Germain “estava muito familiarizado com a Física, e era um químico excelso. Meu pai, muito qualificado para julgar, foi um grande admirador de suas faculdades nesse sentido”.

Perante o ceticismo do rei, o conde incluía, entre as ciências, a Alquimia. De acordo com o marechal de Belle-Isle, logo no primeiro encontro entre os dois, travou-se o seguinte diálogo:

“Se podeis fabricar o Elixir da Vida”, disse Luís XV, “ou achar a pedra Filosofal, estarei disposto a comprar a receita. Entrementes, podeis dispor de vossa casa e vossa pensão. ” Entretanto, arrematou: “Mas com isso não quero dizer que acredite em vossas pretensões.”

“Não preciso nem de uma casa, nem de uma pensão”, retrucou o conde. “Levo comigo os meios de que necessito: uma corte de serviçais e dinheiro pra alugar uma casa.”

Tendo dito isso, Saint-Germain tirou de sua bolsa um punhado de diamantes e ofereceu-os ao rei: “ E, se compraz a Vossa Majestade, aceitai estas pedras como uma pobre oferenda. ” E, enquanto Luís XV arregalava os olhos perante o tamanho e o brilho das pedras: “Aqui, Majestade, há alguns diamantes que fui capaz de fabricar graças à minha arte. “

Sua Majestade, o rei Luíz XV, não foi o único a ver que o conde de Saint-Germain foi capaz de fabricar “graças à minha arte”. O barão Charles-Henri de Gleichen também teve oportunidade de ver a coleção de joias do nobre desconhecido e, em 1813, recordava-se desse fato nos seguintes termos: “Assim, pois, me mostrou outras maravilhas: uma grande quantidade de

joias, e diamantes coloridos de extraordinário tamanho e perfeição. Creio que estava contemplando os tesouros da Lâmpada Maravilhosa. “

Como vimos, Giacomo Giovani Casanova também teve sua experiência particular com os poderes particular com os poderes transmutatórios de Saint-Germain. Logo, esses e outros relatos semelhantes se espalharam pela Europa, e o London Chronicle de 31 de maio/3 de junho de 1760 comentava:

“Podemos dizer com justiça que este cavalheiro deve ser considerado como um estrangeiro desconhecido e inofensivo; alguém que tem reservas econômicas para realizar grandes gastos, e cuja origem se desconhece. Da Alemanha trouxe à França a reputação de ser um eminente e eficacíssimo alquimista, que possuía o pó secreto e, em consequência, a Medicina universal. Corre o boato de que o estrangeiro poderia fabricar outro. Seus muitos gastos parecem confirmar esse boato. “

…E, em consequência, a Medicina universal. De fato, se Saint-Germain possuía a Pedra-Filosofal, nada mais lógico do que concluir que também havia obtido o Elixir da Longa Vida. Esse simples raciocínio sacudiu uma corte francesa mergulhada no tedium vitae, e despertou a inveja de muitos. E a admiração de muitos outros que testemunharam alguns fatos curiosos com relação à longevidade do Conde de Saint-Germain. Em No somos los primeros, o esoterista inglês Andrew Tomas coligiu alguns desses testemunhos.

O já citado Barão de Gleichen declarou ter ouvido “Rameau” e um velho parente de um embaixador francês em Veneza testificar que haviam conhecido Monsieur de Saint-Germain em 1710, época em que tinha a aparência de um homem de uns cinquenta anos de idade”. Ora, quando o próprio Gleichen conheceu Saint-Germain, quase meio século depois, este continuava aparentando a meia-idade!

O marechal de Belle-Isle é o seguite na lista de Tomas. Ele descreveu o seguinte diálogo entre o conde e Mme. Pompadour: Madame Pompadour: Dizeis que sois capaz de fabricar o Elixir da Juventude.

Saint-Germain: Ah, Madame! Todas as mulheres desejam o Elixir da juventude, e todos os homens querem a Pedra Filosofal; uns, a eterna beleza, e outros, a eterna riqueza.

MP: Que idade tendes?

SG: Oitenta e cinco anos, talvez.

MP: Não tenteis zombar de mim, Monsieur de Saint-Germain; acharei o modo de descobrir vossas pretensões. Já desmascarei curandeiros e charlatães antes.

SG: O que está ante vós, Madame, é vosso igual e, se me permitis, tenho de partir.

A Madame du Hausset também se sentou no banco das testemunhas de Tomas, dando conta de outro diálogo, presumivelmente anterior, entre Mme, Pompadour e o conde:

MP: Mas vós não dizeis a idade que tendes, e dais a entender que sois muito ancião. A condessa de Gergy, que foi embaixadora em Viena, Há uns cinquenta anos, segundo creio, afirma que quando vos conheceu ali, tínheis a mesma aparência que agora.

SG: É certo, Madame, que conheci Mme. de Gergy há muito tempo.

MP: Mas, segundo o que ela disse, deveríeis ter atualmente mais de cem anos.

SG: (com um ligeiro sorriso): Não é impossível, mas creio que é ainda mais possível que Madame, à qual apresento meus respeitos, esteja dizendo tolices.

MP: Afirma que vos lhe destes um Elixir de efeitos maravilhosos, e que durante longo tempo teve uma aparência de 24 anos. Por que não dais o mesmo elixir ao rei ?

SG (com espanto): Ah, Madame! Imaginar que eu seja capaz de dar ao rei uma droga desconhecida…! Estaria louco!

E o London Chronicle, no mencionado artigo sobre o conde:

“Ninguém duvidava agora do que a princípio havia sido considerado uma quimera; soube-se que ele possuía, junto com outro grande segredo, um remédio para todas as enfermidades, inclusive para as injúrias com que o tempo triunfa sobre o tecido humano. “

Depois desse inquérito, Tomas passa a seguir a pista do conde, de 1737/1742, quando foi hóspede do Xá da Pérsia, até 1784, ano em que o registro da Igreja de Eckernford, na Alemanha, anota seu atestado de óbito: “morto a 27 de fevereiro, enterrado a 2 de março, de 1784, o assim chamado conde de Saint-Germain e Weldon. Desconhece-se outra informação. Enterrado privadamente nesta igreja. “

Mas este não é o fim da história. O Freumauer Brudershaft in Frankreich dá conta da presença do conde em uma reunião da maçonaria… um ano depois de seu enterro:

“Ebtre os convidados Franco-maçons à grande conferência de Wilhelmsbad, em 15 de fevereiro de 1785, achamos Saint-Germain, junto com Saint-Martin e muitos outros. “

A condessa de Genlis, Stéphanie-Felicité, foi uma pedagoga de renome na corte de Napoleão I, tendo escrito mais de oitenta livros sobre educação. Em suas Memórias, ela narra o encontro que teve com o conde de Saint-Germain em Viena. Era o ano de 1821. Mas não foi a única, pois no mesmo ano, o conde de Chalons, embaixador francês em Veneza, encontrou nosso personagem na praça de São Marcos. Segundo o atestado de óbito, seu enterro ocorrera 37 anos antes.

O único trabalho escrito, quase com certeza do próprio punho do conde, é um tratado ilustrado de Alquimia, A Santíssima Trinosofia, onde ele escreve como um verdadeiro Adepto, demonstrando amplo conhecimento dos procedimentos alquímicos e uma não menor habilidade, para manipular as alegorias herméticas. Segundo o primeiro parágrafo da Seção I, o livro foi escrito quando o conde se encontrava na prisão, presumivelmente numa das vezes em que foi detido pela polícia secreta como suspeito de espionagem.

O editor brasileiro da Santíssima Trinosofia fornece uma lista dos pseudônimos utilizados pelo conde em diversas ocasiões, entre 1710 e 1822:

“Entre os nomes possíveis usados por este misterioso personagem constam os seguintes: Marquês de Montferrat, Conde Ballamarre ou Aymar em Veneza, Chevalier Schoening em Pisa, Chevalier Weldon em Milão e Leipzig, Conde Soltikoff em Gênova e Legohorn, Graf Tzarogy em Schwakback e Triesdorf. Prinz Racotsky em Dresden e Conde de St.-Germain em Paris, Haia, Londres e St. Petersburgo; suspeita-se também que poderia ter sido o Conde Hompesh, o último Grão-Mestre dos Cavaleiros de Malta.

René Alleau, estudioso de Alquimia e Simbolismo, acredita que quem se escondia sob esses nomes era Leopoldo Georges Rakoczy, príncipe da Transilvânia nascido em 1696. Para Andrew

Tomas, esse personagem fazia parte de uma irmandade oriental, conhecida como Shambhala, e sua presença na Europa do século XVIII devia-se à sua missão de alertar contra as funestas consequências da futura Revolução Francesa; mas é difícil acreditar nisso. Quem quer que fosse, Franz Graffer conta em suas Memórias que ouviu-o dizer, antes de desaparecer: “Parto amanhã à noite. Desaparecerei da Europa e rumarei para os Himalaias. “ O resto, é Teosofia.

 

Fonte: LIVRO ALQUIMIA AMIX SOLRAC Extraído de: Amix, S. Alquimia. São Paulo, SP: Traço Editora, 1990.

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