« »

“Quando tenho saudades da Química vou para a cozinha”, confessou, um dia, uma professora que eu tinha, baixinha, lourinha, com o cabelo encaracolado e voz de criança. Eu não levava muito a sério o que ela dizia. Por causa de ter ar de miúda caprichosa, mas também porque só os rapazes da turma lhe achavam piada.

No entanto, estas palavras vinham-me instantaneamente à memória sempre que envolvia, sem bater, claras em castelo e farinha numa massa de açúcar e ovos. Sim, a química, onde tudo se mistura e transforma. Vista dessa maneira, até ganha outro sentido. Muito mais irresistível do que a tabela dos elementos e os tubos de ensaio de vidro, que eu me via aflita para não partir, e nos quais as experiências davam sempre erradas.

Aos sábados, em casa da minha avó, eu e as minhas irmãs mal chegávamos à mesa da cozinha, mas já nos esticávamos para ajudar a fazer suspiros com mel e com caramelo. Do fogão a gás saíam uns estufados apuradinhos, empadão com azeitonas, bolos diversos.

Algumas receitas tiveram o mesmo resultado que as misturas do tubo de ensaio. Na escola primária, levei para o último dia de aulas um bolo enqueijado. Correu mal. Há casos de bolos que não subiram na forma, outros que pareciam vulcões a inundar o forno, papos-de-anjos que não levaram açúcar e até um bolo todo coberto a maçapão que se estatelou no chão antes de ir para a mesa de um jantar de família.

Outras, pareciam imateriais, de perfeitas que eram. Nos aniversários havia, sempre, um mítico bolo de mármore, em que a massa de ovos e a de chocolate não se misturavam. A Nelinha (era assim que chamávamos à professora de Química) havia de gostar de enumerar as causas do feito. E os miminhos de coco, as empadinhas de frango, o gratinado de couve-flor com camarão? Paro por aqui.

Não quero saber que misteriosos componentes químicos se casam entre si para fazer um pão-de-ló fofo e húmido. Descobrir as fórmulas matemáticas que trabalham para evitar que o leite-creme fique talhado e com borbotos retira qualquer tipo de poesia à culinária. Sim, admito. A fusão perfeita de uma mousse de chocolate é um fenômeno químico a não desvalorizar. Só por isso respeito a minha professora, a tal que lançava sorrisinhos aos rapazes.

Comentários