« »

De qual noite dos tempos surgiu a Alquimia? Quem foram seus criadores/ inventores/ descobridores, ou como quer que ela tenha vindo ao mundo? São perguntas difíceis de responder, e existem algumas dezenas de teses diferentes, que vão das perfeitamente acadêmicas até as que extravasam os limites da excentricidade. Entre estas últimas inclui-se aquela moda tão em voga no século XX de explicar tudo o que é desconhecido como sendo de origem extraterrestre especificamente, Jacques Carles e Michel Granger, que, em Alquimia: Superciência Extraterrestre, perguntam-se se a Alquimia não teria sido trazida à Terra pelos sobreviventes de uma catástrofe no planeta Vênus. Mas talvez um dia descubra-se que mesmo essas teses altamente imaginativas são provincianas demais perto da realidade, no espírito da máxima de J. B. S. Haldane, o célebre biólogo inglês: “O Universo não é apenas mais estranho do que imaginamos; ele é mais estranho do que podemos imaginar”.

Quanto às teses acadêmicas, não nos ocuparemos delas aqui pelo motivo oposto. Seus autores geralmente partem do princípio de que o único interesse da Alquimia é ser uma bastante imperfeita e supersticiosa ancestral da Química moderna. Estudar suas origens, para eles, é buscar as raízes de uma superstição. Azar o deles.

No meio termo, encontramos uma ampla galeria de nomes, de onde pinçamos alguns que nos parecem mais convincentes, ou mais próximos do que quer que seja a verdade: Carl Jung, Mircea Eliade, Jacques Bergier e o prof. Frederick Soddy.

Para esse último, as lendas a respeito da Pedra Filosofal e do Elixir da Longa Vida seriam restos do conhecimento cientifico de uma civilização que teria existido antes dos tempos conhecidos. Para ele, é muita coincidência que o folclore vincule a transmutação dos metais ao prolongamento da vida, quando a ciência nos ensina que é justamente a transmutação dos elementos no interior das estrelas que propicia as condições para o aparecimento da vida nos planetas. Segundo o prof. Soddy, essa aparente coincidência se explicaria se aquela hipotética civilização tivesse alcançado um nível científico igual ou superior ao nosso. Ele acreditava que não possuiríamos evidências diretas desse fato porque tal civilização teria sido varrida da face do planeta por uma terrível catástrofe, talvez provocada por uma utilização bélica de sua ciência.

É interessante notar que o prof. Soddy não desenvolveu essas opiniões em alguma obscura publicação cuja autenticidade poderia até ser contestada. Elas se encontram, pelo contrário, em A Interpretação do Rádio, justamente o livro onde explicava as descobertas que lhe valeram o Prêmio Nobel de Física.

O historiador franco-romeno Mircea Eliade, por sua vez, encontrou paralelos entre as imagens e procedimentos alquímicos de um lado e, de outro, as crenças e mitologias das primitivas corporações de ferreiros. Em uma obra hoje clássica, Ferreiros e Alquimistas, ele teorizou que os primeiros metalúrgicos poderiam, eventualmente, ser uma das fontes do imaginário alquímico.

Jacques Bergier, físico nuclear e criador do movimento do Realismo Fantástico, tentou conciliar ambas as posições. Em princípio, ele concordava com o Prof. Soddy, até porque, quando era jovem, encontrou-se com um  alquimista que lhe disse com todas as letras que a Alquimia derivava da ciência de uma outra civilização. Para Bergier, essa civilização teria existido pelo menos há uns 100 mil anos. Ele acreditava que a importância conferida ao ferro pelos alquimistas era uma evidência de que eles possuíam um saber superior.

“Muitas fábulas” – escreveu ele um artigo excepcional na revista Planeta –  “identificaram a alquimia com a fabricação do outro, quando parece que os verdadeiros iniciados não faziam muito caso desse metal. Para eles, o ferro era muito mais importante. Entre os sábios que estudaram a questão, o historiador francês Mircea Eliade foi um dos raros a nota-lo. (…) Contudo, não sabia, na época em que escreveu, o que logo iria ser demonstrado pela astrofísica e pela química destes últimos anos: que o ferro é uma espécie de eixo à volta do qual gira o mundo.

“O ferro, sabemos agora, é com efeito o único elemento do qual não se pode tirar qualquer energia: nem por fissão, nem por fusão. Em termos técnicos, está no zero da ausência de massa. O que quer dizer que se pode obter elementos mais leves que ele, adicionando-os por fusão: assim funciona o Sol… ou a bomba de hidrogênio. E pode-se obter energia de elementos mais pesados que o ferro, decompondo-os por fissão: é o caso da pilha de urânio ou da bomba A. Mas do próprio ferro, que é zero, nada se pode tirar. Ele está na origem da alavanca do universo. Um alquimista alemão escreveu: “(…) O ferro é portador do ministério do magnetismo e do mistério do sangue.”

“(…) Pode-se compreender o interesse que os alquimistas demonstravam pelo ferro, pelo cálculo cabalístico que há em Les Noces Chimiques (1616): A = 1, L = 12, C = 3, H = 8, I = 9, M = 13, I = 9, A = 1, total = 56. Ora, 56 é precisamente o peso atômico do principal isótopo do ferro.”

Se  os alquimistas efetivamente possuíam alguma noção dos pesos atômicos que se encontram na Tabela Periódica, (re?) descoberta por Mendeleiev apenas no século passado, seria um indício de peso para as teorias de Soddy e Bergier.

Mas a Alquimia não era uma ciência e estava bem longe de se restringir a uma técnica. Seus métodos e conhecimentos visavam a uma meta bastante delimitada, que era a transformação do próprio alquimista. Possuía, portanto, juntamente com procedimentos de laboratório, e muitas vezes indistinguível destes, um modelo teórico do ser humano que abrangia os níveis físico, psíquico e espiritual, começando por assimilá-los aos três princípios de todos os elementos (enxofre = físico, sal = psíquico, mercúrio = espiritual).

Na concepção alquímica, todas as coisas e criaturas do Universo eram espíritos que, em decorrência da Queda, transformam-se em matéria. Mas, por baixo das impurezas que acumularam nesse decaimento, continuam sendo de natureza espiritual. Para os alquimistas, a redenção do homem só pode ocorrer conjuntamente à própria redenção da matéria; de fato, do ponto de vista hermético, ambas são apenas uma: “ Uma matéria, um vaso, um fogo. ”

Esse aspecto místico da Alquimia interessou ao Dr. Carl Gustav Jung, por se assemelhar, pelo menos simbolicamente, às suas próprias descobertas em Psicologia. Procurando esmiuçar essa semelhança, Jung formulou uma teoria pessoal a respeito da origem, se não da própria Alquimia, pelo menos de sua doutrina da redenção.

Ele observou uma semelhança muito grande entre essa doutrina e o que ensinavam os gnósticos dos primórdios do Cristianismo. O Gnosticismo foi um dos muitos movimentos cristãos que competiam com o Catolicismo a respeito da interpretação a ser dada às palavras de Cristo. Quando o Império Romano adotou o catolicismo como sua religião oficial, uma das primeiras providências dos padres foi perseguir o Gnosticismo até conseguir exterminá-lo totalmente.

Ao que parece o Gnosticismo se originou do encontro do Cristianismo com as religiões orientais, principalmente o Zoroastrismo e o Budismo. Ele também ensinava que os seres humanos são espíritos aprisionados em um mundo material. Para os gnósticos, não obstante, esse mundo material era essencialmente mal e não fora criado pelo Deus verdadeiro, mas por um falso deus, Jeová, que, terminada sua obra, atraiu os espíritos, que são centelhas de luz divina, aqui para baixo, onde eles se esqueceram de sua origem e ficaram presos.

Mas o deus verdadeiro não cessa de enviar para cá redentores, entre os quais Cristo, cuja missão é nos fazer recordar de nossa pátria celeste. Acredita-se hoje que o pensamento gnóstico influenciou profundamente alguns autores do novo Testamento, principalmente Paulo e o João Evangelista (que pode ou não ser também o autor do Apocalipse).

Apesar das grandes semelhanças, essa atitude fundamental em relação à matéria separa radicalmente gnósticos de alquimistas. Os primeiros procuravam combater e fugir do mundo material. Os segundos pretendiam transformá-lo em espírito. Não é impossível, contudo, que tanto a Alquimia quanto a Gnose sejam dois desenvolvimentos diferentes de um mesmo tronco básico.

Se assim for, esse tronco deve ser bem antigo, pois encontramos a Alquimia, em versões praticamente idênticas à nossa, tanto entre os chineses quanto com os indianos. Segue-se, pois, que suas origens devem se perder na pré-história, o que nos leva de volta à possível civilização com que sonhavam Jacques Bergier e Frederick Soddy.

Entretanto, nesse livro, vamos deixar de lado as Alquimias orientais, que exigiriam um estudo mais especializado. O leitor que se interesse por elas encontrará um excelente resumo na citada obra de Mircea Eliade, Concentrar-nos-emos em alguns aspectos da Alquimia ocidental que nos parecem adequados para uma introdução ao assunto.

A alquimia ocidental pretende remontar até a um mítico rei egípcio, Hermes Trismegisto, que, na verdade, nunca existiu: Hermes é tanto um deus grego quanto uma personificação do Mercúrio Filosófico. Entretanto, parece haver alguma verdade nessa lenda que diz que o ramo ocidental da Alquimia vem do Egito. A própria palavra Alquimia deriva do idioma egípcio, onde khemi quer dizer “terra negra”, ou seja, a matéria-prima (al é o artigo definido árabe – al khemi, “terra negra”).

Os primeiros alquimistas históricos surgem no período helenístico, em Alexandria. Os mais conhecidos são o grego Zózimo de Panápolis, que deixou uma exposição das operações alquímicas em forma de interpretação dos sonhos, e a judia Maria Profetista autora do chamado Axioma de Maria, que é o mais curto resumo da Grande Obra: “ O um torna-se dois, o dois torna-se três e o três torna-se quatro, que é novamente o um. ”

Com o fim do período helenístico, a Alquimia desapareceu de vista no ocidente. No mundo árabe, contudo, ela prosseguia a todo vapor e, com a expansão islâmica, foi reintroduzida nos países da Europa, Dentre os Adeptos árabes, os mais conhecidos são Rasis e Geber.

Geber – forma latinizada de seu nome verdadeiro, Al Jabir – é, na verdade um dos maiores Adeptos de todos os tempos. Começou suas pesquisas como soprador. Seus primeiros escritos mostram-no como um esforçado praticante, cheio de boas intenções, porém ignorante dos princípios herméticos. Em determinado ponto de seu desenvolvimento, porém, parece ter encontrado alquimistas que o iniciaram, ou redescobriu esses princípios por conta própria, o que parece difícil, mas não impossível: Pascal não fez a mesma coisa com a Geometria de Euclides?

Seja como for, Geber de repente entrou na posse dos segredos alquímicos. A partir daí seus textos tornam-se mais obscuros – mais herméticos – até o momento em que ele despareceu de cena. A complicação desses escritos feita pelos pesquisadores ocidentais revelou uma inesperada surpresa: o conjunto dos manuscritos conhecidos de Geber cobre um período de mais de duzentos anos. Ou a maioria desses escritos é apócrifa ou …

Bem, uma das metas da alquimia não era Elixir da Longa Vida? É possível que Geber não tenha vivido tanto tempo. É possível que o Elixir da Longa Vida seja apenas uma lenda. Mas não podemos deixar de nos espantar com um fato constatado por Jacques Sadoul – que a maior parte dos alquimistas medievais viveu mais de 80 anos, alguns mais de cem …. Numa época em que a média de vida oscilava ao redor dos 50 anos …

 

Fonte: LIVRO ALQUIMIA AMIX SOLRAC Extraído de: Amix, S. Alquimia. São Paulo, SP: Traço Editora, 1990.

Comentários