Os principais constituintes químicos da pimenta do reino e da pimenta malagueta são amidas, denominadas, respectivamente, piperina e capsaicina.
A piperina é um alcalóide de caráter lipofílico presente na pimenta-do-reino e possui diversas atividades farmacológicas, como antiinflamatória, antifertilidade e estimuladora da biossíntese de serotonina no Sistema Nervoso Central, além de ser utilizada como inseticida. Hans Christian Orstead, cientista dinamarquês que descobriu o eletromagnetismo induzido por correntes elétricas, foi também quem descobriu a presença da piperina na pimenta-do-reino, em 1820. Sua síntese química, entretanto, só foi realizada pela primeira vez em 1882 por Leopold Hugheimer, químico alemão famoso por sua metodologia de síntese de pirazinas, a síntese de Staedel-Hugheimer. A piperina é um inibidor das enzimas hepáticas de metabolismo de fármacos, denominadas citocromos P450. Por isso, ela acaba aumentando o tempo de meia-vida de muitos fármacos, fazendo com que a eliminação deles seja mais lenta, o que pode levar a quadros de intoxicação.
Outro alcalóide presente na pimenta-do-reino é a chavicina, um isômero da piperina. Acredita-se que esta amida seja o principal responsável pelo sabor pungente da pimenta, e que sua lenta conversão à piperina seja responsável pela perda dessa característica em preparados de pimenta. Essa conversão pode ocorrer por fotoisomerização, convertendo a ligação dupla de estereoquímica Z em uma ligação com estereoquímica E.
Por sua vez, a capsaicina é o alcalóide amídico presente nas pimentas do gênero Capsicum. Foi isolado em três estudos diferentes conduzidos ao longo do século XIX (Buchohz em 1816, Thresh em 1846 e Hogyes em 1878), tendo sido sintetizada pela primeira vez em 1930 por Spatti e Darling. Como a piperina, a capsaicina é uma amida de caráter lipofílico, possuindo atividade analgésica, especialmente para lesões associadas à artrite, embora seu uso não seja regulamentado oficialmente. Esta atividade parece estar associada a uma hiperexcitação dos nociceptores (receptores de dor) pela capsaicina, esgotando os estoques de neurotransmissores e deixando-os refratários aos estímulos dolorosos provocados pela doença. Ela vem sendo estudada também no tratamento de diabetes e de diversos tipos de câncer. O uso mais consagrado da capsaicina, entretanto, é como agente ativo do chamado gás de pimenta, usado pelas forças policiais para o controle de situações de distúrbio público e agressões; quando em contato com mucosas, especialmente a ocular, provoca dor extrema.
Tanto a capsaicina quanto a piperina são ativadores de uma proteína denominada receptor vanilóide. Esse receptor é acoplado a um canal iônico, e sua ativação, por seus agonistas (como a piperina e a capsaicina), leva à entrada de íons sódio no neurônio, despolarizando-o. No entanto, a exposição prolongada à capsaicina pode causar morte celular por excesso de influxo de íons cálcio, que é letal para a célula (daí seu uso potencial no tratamento do câncer, porque levaria à morte as células tumorais). Existem indícios de que esses receptores também são ativados pelo calor, daí a sensação de ardência provocada pelos alcalóides das pimentas. É interessante notar que nem todos os neurônios são sensíveis à capsaicina: aqueles localizados no SNC (encéfalo e medula espinhal) não sofrem os efeitos dessa substância.
A sensação de ardência causada pelas pimentas pode ser aliviada pela ingestão de leite (de preferência bochechando-se o leite na boca) ou consumindo miolo de pão. O efeito do leite parece se dar pela interação da capsaicina com a caseína, uma fosfoproteína presente no leite. Beber água não adianta, porque a capsaicina é insolúvel em água, mas solúvel em etanol e em óleos (associe esta informação com a lenda contada no início da aula!). Pode se evitar também uma ardência exagerada removendo as sementes e a parte branca da pimenta-malagueta, pois é aí que se concentra a capsaicina.
Outro fato interessante é que a capsaicina não provoca sensações desagradáveis em aves e insetos, que, assim, se alimentam da pimenta e ajudam a disseminar suas sementes. Já ao atuar em mamíferos, ela reduz a palatabilidade de seu “predador”. Esta é uma adaptação evolutiva muito interessante que pode ser discutida com os alunos em sala de aula!
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